Shortbus (2006) - 020


Três pizzas

Título Original: Shortbus
Direção: John Cameron Mitchell
Roteiro: John Cameron Mitchell
Gênero: Drama/Romance
Origem: Estados Unidos A.
Duração: 101 min
Tipo: Longa-Metragem
Cor: Colorido

Trailer
IMDb


Shortbus é um filme com uma ótima trilha sonora e com boa ideia para trama, mas se chocar é só pelas cenas de nudez e sexo explicito (O diretor lutou para que o filme não caísse no gênero "Pornográfico", então né, muitos nudes.), já que os diálogos são meio fracos. Melhor se for encarado como filme experimental.
É um filme relativamente fraco (mesmo assim fez reboliço em Cannes quando foi lançado para amostra do festival, por isso resolvi falar dele), uma vez que os diálogos beiram o clichê e o roteiro não é tão brilhante. O filme busca escancarar para o espectador questões muito íntimas das personagens, mas faltou.
Porém, não quer dizer que deixa de trazer questões interessantes para se tratar nos dias atuais.
Para fazer diferente, preferi criticar o filme de uma forma diferente e não cinematograficamente. Hoje vou falar desse punhado de coisas que se chama "ser humano" e as diversas questões que perpassam essa belezura de seres que somos.
Para isso, usei alguns textos maravilhosos e que disponibilizarei pelas referências.
Infelizmente não escrevi sobre todos os personagens, mas fica aqui que meu preferido é o Justin Bond.

Contém Spoilers.

O filme gira em torno de vários personagens da cidade de Nova York, entre eles, há a história de Sofia que é uma terapeuta sexual, mas que nunca teve um orgasmo. Certo dia, James e Jamie, um casal, vão ao seu consultório a fim de utilizar seus serviços para ajuda-los a dar outro passo na relação, uma vez que eles, vindo mais de James que de Jamie, querem abrir o relacionamento. Diante de Jamie, que em meio de sua epifania, Sofia perde o controle e com um tapa no rosto dele, ela desmorona de encontro ao seu próprio conflito: o de nunca ter tido um orgasmo (questão esta sempre presente em sua vida).

A reação da Sofia diante do casal mostra que a terapeuta tem um envolvimento na clínica, derrubando com o mito da neutralidade que ainda está muito presente neste contexto. Uma vez que todos têm questões, o terapeuta também encontra as suas diante do problema do outro no setting. Se encontrar com a dor, a impermeabilidade, a loucura do outro é algo que vai de encontro com estas mesmas questões do terapeuta (Moura, sem ano). É no ‘encontro’ com as questões do outro que a terapeuta tem sua afetação aflorada e ela desengasga toda sua questão quando com uma intervenção física ela transborda da profissional para o pessoal, de forma a não se separar mais. É com o casal Jamie e James que a Sofia conhece o bar Shortbus e começa uma busca para alcançar seu tão esperado orgasmo.
Shortbus é onde tudo acontece. As pessoas podem ir e deixar seus maiores desejos os controlar. É um bar, mas também um quase “sub-mundo (underground)” nova-iorquino onde os frequentadores são livres para buscar tudo o que quiserem. Claro que fazer e/ou ser tudo o que sempre quis requer uma boa dose de coragem, mas lidar com a decepção, frustração e tristeza do que não se é também pode ser revelador para o sujeito. A destruição que vem ao se assumir o que se deseja é precisamente o abandono radical de antigos ideais.
No Shortbus, sexo não tem a conotação moral que há em outros lugares de forma que o sexo é abordado naturalmente no filme, independente de qualquer tipo de questão que possa haver “problema” para que eles ocorram. O desejo dos participantes do Shortbus não é detido pelas questões de gênero, ou idade, ou demais relações que, em outra circunstancia, poderia impedir tais encontros.
A sexualidade e o sexo também se põem frente à mudança. Enquanto no shortbus há toda essa liberação do sexo, o prefeito retrata uma época vivida pela aquela mesma cidade, uma repressão referente não apenas ao sexo, mas também da sexualidade dos indivíduos. É a mudança da modernidade para o contemporâneo vivido por ele. Lá, sexo representa outra forma de relacionamento entre as pessoas pela que os une, ou seja, pela necessidade desenfreada do ser amado, ou até mesmo que seja uma ponte que liga essas pessoas, sendo rápido e sem profundidade, apenas pelo sexo. Há aqueles também que usem o sexo para justamente não se conectar a ninguém, seja pelo medo iminente do abandono ou por amar e não ser correspondido (Rolnik, sem ano).

Sobre a terapeuta, é quase palpável o desespero dela por nunca ter tido um orgasmo. Muito se pergunta como é possível ela ser terapeuta de casais/sexual e nunca ter tido a experiência de um orgasmo, mas esta não é a verdadeira questão (caso contrário deveria ser questionado se um homem poderia atender uma mulher, por exemplo). No filme, ela ocupa o papel de terapeuta no início, se pondo no lugar de ‘poder’, mas breve ela desliza deste lugar habitual, ou seja, essa delimitação dos ‘lugares’ de profissional e paciente que são previamente dados e estes ficam borrados, de forma que esses mesmos lugares não sejam mais possíveis de se estabelecer (Passos e Benevides). Então o papel da terapeuta perambula por entre os demais personagens do bar, de forma com que não somente ela desenvolve o papel de terapeuta, mas os demais desempenham como tal com ela. Assim, Sofia se mostra como mais uma integrante do Shortbus que também busca sua liberdade (de si mesma). A vontade que a personagem tem de experimentar um orgasmo vem de toda uma expectativa e do ideal (imaginário) de se sentir (mais) mulher, uma vez que isto faz parte da configuração como tal para a personagem.

Já o casal Jamie e James, tem uma questão interessante quanto à relação deles. No filme, o James passa a usar seu nome ao se apresentar como alguém diferente do seu namorado, com isso, é possível ver sua tentativa de se desvencilhar do Jamie. Já Jamie espera por James qualquer sinal para agir. Enquanto todo o filme James se porta mais distante e até mesmo infeliz, Jamie luta o tempo todo para melhorar o relacionamento, mesmo que isso indique a entrada de uma terceira pessoa. O esforço de Jamie para manter James ultrapassa as suas convicções, mostrando, assim, a simbiose que os liga dentro do turbilhão de emoções que é o relacionamento deles. James com seu medo de se tornar vulnerável; Jamie com seu medo de perder James, tece o relacionamento da forma que James o coloca pare ele. A dor de James era do seu vazio, da sua impermeabilidade. A dor de Jamie era do esperar por James (Rolnik, sem ano).
Assim, há novas formas de amor, configuradas pelo capitalismo e assim, agora há uma inflação da forma de amar, e isto desfoca a todos. De forma que, James está “eternamente condenados à vontade de partir (Rolnik, sem ano)”, registrado pela sua tentativa de suicídio, enquanto Jamie “nega-se à aventura, porque é na aventura que se evidencia para ela a desterritorialização, objeto de seu pânico (Rolnik, sem ano)”, registrado pela forma que ele aceita a proposta de abertura do relacionamento, mesmo não querendo isto. Marcado pelo desejo de estar junto, mas com o medo de ficar, de tecer fios, de ser permeável. Enquanto o outro se entende no medo da desterritorialização, medo do partir do outro (ainda Rolnik, sem ano).

Já o personagem do prefeito, traz todo um contexto sobre como as pessoas são impermeáveis, no sentido de que elas não se deixam afetar por nada nem ninguém a sua volta. A impermeabilidade veio como herança da modernidade, do medo excessivo e sem rosto de se ferir, da falta, do desamparo (Rolnik, sem ano). Não se tornar permeável é se proteger, se manter protegido de qualquer frustração.
Shortbus não traz uma história onde a sexualidade está no plano principal, mas sim no plano de fundo, na qual é perpassado pela impermeabilidade dos personagens, até que estes consigam (ou não) se tornarem mais permeáveis.

Referências:
Filme: Shortbus (2006) – direção: John Cameron Mitchell
“Encontrar” - Moura, sem ano.
“A Construção do Plano da Clínica e o Conceito de Transdisciplinaridade” - Passos, Eduardo e Benevides de Barros, Regina, 2000
“Amor: o impossível… e uma nova suavidade”  (que texto, meu deus!) - Rolnik, Suely, sem ano.

Por fim, gostaria de manifestar aqui o meu amor por essa mulher incrível que é a Suely Rolnik.


Um comentário:

  1. Esse filmes é bacana, aconselho assistir ele no site da cruz clothing, https://www.cruzclothing.com.br

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